André Barrocal - Carta Maior
Brasília – a descoberta de que um jornal britânico do bilionário Rupert Murdoch grampeava pessoas de forma clandestina reacendeu a discussão sobre os limites éticos e legais dos meios de comunicação. No Brasil, este tipo de debate vai esquentar sob patrocínio do Governo Federal, que prepara um novo marco regulatório para emissoras de tv e rádio, orientadas até hoje por uma legislação dos anos 60, e uma lei para a internet.
As duas propostas, contudo, estão em estágios diferentes. Enquanto a primeira ainda não tem data para ficar pronta - e pode até ser submetida a uma consulta pública pelo ministério das comunicações, - a segunda só depende de um aval da presidenta Dilma Rousseff, para ser enviada ao Congresso na volta do recesso parlamentar, em agosto.
Preparado pelo Ministério da Justiça, o chamado “Marco Civil da Internet” vai garantir, segundo carta maior apurou, algo vital para quem gosta de usar a internet para fazer militância política ou contestar o noticiário de tvs e rádios: a neutralidade da rede.
Será proibido que empresas provedoras de acesso à internet façam qualquer tipo de filtro do conteúdo dos usuários.O texto começou a ser elaborado pelo governo em 2008, porque os parlamentares estavam prestes a aprovar uma lei - ainda hoje parada no congresso - que classifica como crimes certas práticas de internautas.
Batizado pelos inimigos de “ai-5 digital”, em referência ao ato institucional mais famoso e violento da ditadura militar, o projeto é criticado, entre outras razões, por tentar punir os usuários antes de direitos deles estarem bem definidos em lei.
O governo entrou na briga ao lado dos adversários do “ai-5 digital”, pedindo ao Congresso que não votasse a criminalização antes do “Marco Civil” chegar à casa, o que ocorrerá em breve.
Regulação de tvs e rádios. No caso do marco regulatório da radiodifusão, não existe a mesma perspectiva. A decisão de propor ao Congresso uma nova legislação para tvs e rádios havia sido tomada pelo ex-presidente Lula.
Mas, por falta de tempo, o projeto não foi concluído no mandato dele e ficou para a gestão sucessora, que o lista como prioridade na área de comunicações, mas ainda não tem prazo para enviá-lo aos parlamentares.
Encarregado de fechar um texto para apresentar à presidenta, o ministro das comunicações, Paulo Bernardo, adotou uma postura cautelosa, por entender que a proposta, por si só, vai gerar muita polêmica no congresso, dada a predisposição negativa das empresas de tv e rádio.
Ele recebeu no dia 8 de janeiro uma espécie de pré-projeto deixado pelo ministro da comunicação social de lula, Franklin Martins, que comandara o debate em 2010.
Desde então, a equipe de Bernardo submete a minuta ao que o ministro chama de “pente-fino”. E cogita colocá-la, ao menos em parte, em consulta pública.
O objetivo, segundo ele, é evitar que o projeto tenha uma redação que dê aos inimigos da ideia argumentos para dizer que se trata, no fundo, de uma tentativa de amordaçar a mídia.
No segundo encontro nacional dos blogueiros progressistas, realizado em Brasília em meados de junho, Bernardo foi explícito sobre sua preocupação. “o Governo acha [o marco regulatório] extremamente importante. Mas temos sido zelosos porque [o projeto] está marcado como censura”, afirmara na ocasião.
“Parte da mídia faz críticas ácidas e hostis. Não gosta nem de ouvir falar [em regulação]. Quando mandarmos ao congresso, vai ser uma briga danada.”Os defensores do marco regulatório temem que “o pente-fino” de Bernardo, no fim, descaracterize o espírito original da proposta: submeter emissoras de tv e rádio, que são concessões públicas, a regras de regulação como acontece em outras áreas em que também há concessões, como energia elétrica ou telefonia.
O marco não tratará de jornais e revistas, que o governo considera que são empresas privadas como outras quaisquer.
Demi Getschko (CGI), Felipe de Paula (Min. da Justiça), Dep. Eunício Oliveira, Luis Fernando Costa (procurador da República) e Fernando Botelho (desembargador) discutem marco civil
Em quais ocasiões a justiça poderá “quebrar” meu sigilo de acesso à internet? Eu posso ser punido por ofender alguém na internet, mesmo postando como anônimo? São essas e outras questões que o marco civil da internet tenta resolver, criando uma série de diretrizes para o uso da internet no país. Diferente da lei Azeredo, considerada “punitiva” (pois previa a criação de uma série de crimes envolvendo o mundo virtual), o conjunto de leis propõe direitos e deveres para os usuários. “Em vez de punição, o marco civil estabelece, por exemplo, leis voltadas aos direitos privados e liberdade de expressão na internet”, explica Ronaldo Lemos, que é diretor do Centro de Tecnologia e Socidade da Escola de Direito da FGV-RJ.
O marco civil ainda é um projeto, que pode ser alterado quando chegar à Câmara, no entanto para explicar em que a lei poderá mudar na vida do internauta, o UOL Tecnologia consultou especialistas que participaram da elaboração do marco civil – Ronaldo Lemos, diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da FGV-RJ e de Felipe de Paula, secretário de assuntos legislativos do Ministério da Justiça – e reuniu algumas perguntas para esclarecer o projeto de lei para a internet brasileira. Confira abaixo:
O que é o marco civil?
Felipe de Paula, secretário de assuntos legislativos do MJ
É um projeto com um conjunto de leis que estabelecem direitos de internautas, provedores na rede e do governo. É “uma espécie de constituição da internet”, define o secretário de assuntos legislativos do Ministério da Justiça, Felipe de Paula. No âmbito governamental, o marco civil tem uma diretriz para que o acesso à internet seja encarado como um direito da população.
Quais os objetivos do marco civil?Um dos principais motivos da criação do projeto de lei é a insegurança jurídica, que acaba gerando “decisões inconsistentes”, segundo o secretário de assuntos legislativos do Ministério da Justiça no judiciário. Um exemplo foi o caso da modelo Daniela Cicarelli. Após processar o site YouTube, pelo fato de usuários terem postado um vídeo íntimo da modelo, um juiz havia determinado que o site de vídeos fosse bloqueado no país.
Mas o que isso significará na prática?Na prática são três as questões mais próximas aos internautas e que também têm gerado polêmicas entre provedores e membros da sociedade civil: tempo de guarda de logs (IP e horário de acesso do usuário à rede), o anonimato e a responsabilização por conteúdo publicado. Veja abaixo os pontos:
Tempo de guarda de logs e solicitação de informações:Ainda que boa parte dos internautas não esteja ciente, toda vez que acessa a internet, o provedor guarda informações dos usuários. O marco civil propõe que os sites e provedores armazenem por até seis meses e que as solicitações dessas informações passem pelo judiciário. Enfim, que o sistema passe por um processo semelhante ao da interceptação telefônica.
Ronaldo Lemos, diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da FGV-RJ
Ronaldo Lemos, da FGV-Rio, ainda pontua que atualmente o processo para adquirir informações de usuários por policiais é pouco burocrático. “Quando a autoridade policial faz a solicitação, muitas vezes, o pedido nem passa por um juiz.”
AnonimatoO projeto de lei estabelece que o usuário na rede tem direito ao anonimato, mas, uma vez que há guarda de logs, o anonimato seria parcial, pois os provedores detêm as informações dos usuários. Alguns veem essa “parcialidade” como uma ameaça à liberdade de expressão. Entretanto, apenas a Justiça terá poder de “quebrar” o sigilo das pessoas.
Responsabilização por conteúdo publicadoO marco civil estabelece mecanismos para que intermediários (sites ou redes sociais) não sejam diretamente punidos por alguma ofensa de terceiro. Por exemplo: um internauta posta um comentário ofensivo em um blog. Em alguns casos, o responsável pelo blog acaba sendo punido. “Houve o caso de um blogueiro no Ceará que teve de pagar R$ 16 mil de indenização por um comentário de um usuário”, comentou Ronaldo Lemos.
Em um primeiro momento, o projeto de lei do marco civil estabelecia que os provedores adotassem um mecanismo de notificação. O usuário que se sentisse lesado mandaria uma mensagem ao provedor e este julgaria se deveria remover o conteúdo ou não. Porém, após discussões, o projeto definiu que as empresas só devem remover algum conteúdo após notificação judicial.
Quem participa da elaboração do marco civil?Lançado em outubro de 2009, a iniciativa para a criação do projeto partiu da Secretaria de Assuntos Legislativos da Justiça (SAL/MJ) e a Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas. Porém, qualquer pessoa que quisesse opinar ou sugerir pontos sobre para a lei poderia fazê-lo no site Culturadigital.br/marcocivil. No entanto, o Ministério da Justiça está recebendo colaborações tardias pelo e-mail marcocivildainternet@mj.gov.br.Quais os próximos passos?Com o fim da fase de discussão do projeto pela internet, terminada no dia 31 de maio, uma comissão do Ministério da Justiça reunirá as contribuições enviadas por internautas e empresas, vai ouvir os ministérios envolvidos (Ministérios da Cultura e da Casa Civil) para, em seguida, enviar para votação na Câmara. A intenção, segundo Felipe de Paula, é que a lei seja votada no segundo semestre deste ano.
Matéria Publicada no Uol Notícias
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