O nascimento de Rui Barbosa, no dia 5 de novembro de 1849, em Salvador, Bahia, inspirou as autoridades militares para a definição do Dia da Cultura (Lei 5.579, de 15 de maio de 1970, sancionada pelo general Emílio Garrastazu Médici, sendo Ministro Jarbas Passarinho). O bacharel, tribuno e político baiano, teve sua biografia considerada, simbolicamente, para representar a intelectualidade brasileira, ainda que não fosse um poeta, um ficcionista, um crítico, um intérprete da cultura nacional.
Luis Antonio Barreto, historiador e jornalista, escreveu no dia da Cultura do ano de 2004, para o Portal Infonet, escreveu uma crônica sobre a identidade cultural brasileira muito interessante. Veja alguns trechos do que Barreto escreveu:
"...A institucionalização do Dia da Cultura não resolveu a questão da identidade do povo brasileiro, que continua pendente, a desafiar a inteligência nacional. É que o Brasil, como sociedade multiétnica, com uma história híbrida, não resolveu suas principais questões culturais. Uma vista lançada sobre o passado, por rápida que seja, permitirá a localização de situações remanescentes, algumas das coisas escondidas debaixo do tapete, como se fosse possível encobrir a realidade com sua força e suas circunstâncias.
O Brasil não tem, nem nunca teve, uma noção correta das etnias indígenas. (...)A literatura “indigenista”, conotada de alegorias, não serviu para atribuir aos nativos o papel cultural na formação social do País. Não houve uma literatura tendo os negros africanos como personagens principais, mas uma tentativa em torno do mulato, algumas vezes de forma negativa.
Ademais, muitos autores atribuíram aos indígenas qualidades negativas, como a preguiça, e trataram o negro como uma mercadoria importada, negociada, mantida submissa nas fazendas de gado, nos engenhos de açúcar e nas casas senhoriais. O mestiço, chamados de mamelucos, que constituiu a maioria dos brasileiros, foi renegada desde os primeiros tempos, como de “índole má”, como afirmou o jesuíta Orlandini em sua obra epistolar, ainda no século XVII.
A Catequese e a Inquisição marcaram, profundamente, a questão da identidade brasileira. Enquanto a primeira utilizava do aparato da Igreja para ajuntar, batizar, ensinar o cristianismo, buscando almas em quantidade para o reino de Deus, a visitação do Santo Ofício punia, com sofisticado rigor, os “pecados e heresias” denunciados. Uma leitura da Inquisição na Bahia, que compreendia também Sergipe, em 1592, mostra a intolerância, a censura e o controle cultural sobre as populações de autóctones, europeus e africanos. No tocante a cultura do povo o que se viu foi uma imensa transposição de repertórios, muitos deles codificados, atemporais e de procedência diversa, que foi guardado, fielmente, pelas populações brasileiras.
(...)Por mais que os antropólogos, sociólogos, psicólogos sociais, folcloristas tentem fazer o retrato cultural do povo brasileiro, faltam elementos essenciais, de ancestralidade, para dar fidelidade ao esforço interpretativo.
Gilberto Freyre viveu essa mesma dificuldade, ao esboçar em Casa Grande & Senzala (1933) e em outras obras referenciais, o tipo de organização social do Brasil. Criou, então, uma ciência – a Tropicologia -, para estudar o homem situado, o homem no ambiente, com condicionamentos e determinantes. A identidade nacional da cultura brasileira também depende de ciências novas, ou inter -ciências, para revisitar o passado e extrair lições duradouras.
O que há de crítica cultural se prende, quase sempre, a um tipo de cultura dominante. A cultura de resistência, que muitas vezes convive em harmonia com os modos culturais visíveis, é pouco ou quase nada considerada e estudada. As coletas privilegiam os romances medievais e não os de vaqueiro, sagas ou personagens nacionais; os contos de reinos felizes, reis justos, príncipes encantados, princesas castas, e não a tragédia cotidiana dos pobres, pedindo esmolas em troca de uma pequena narrativa. (...) Há, portanto, um conflito de enquadramento, que dificulta a melhor interpretação dos fatos culturais, inclusive os fatos folclóricos."
O Brasil não tem, nem nunca teve, uma noção correta das etnias indígenas. (...)A literatura “indigenista”, conotada de alegorias, não serviu para atribuir aos nativos o papel cultural na formação social do País. Não houve uma literatura tendo os negros africanos como personagens principais, mas uma tentativa em torno do mulato, algumas vezes de forma negativa.
Ademais, muitos autores atribuíram aos indígenas qualidades negativas, como a preguiça, e trataram o negro como uma mercadoria importada, negociada, mantida submissa nas fazendas de gado, nos engenhos de açúcar e nas casas senhoriais. O mestiço, chamados de mamelucos, que constituiu a maioria dos brasileiros, foi renegada desde os primeiros tempos, como de “índole má”, como afirmou o jesuíta Orlandini em sua obra epistolar, ainda no século XVII.
A Catequese e a Inquisição marcaram, profundamente, a questão da identidade brasileira. Enquanto a primeira utilizava do aparato da Igreja para ajuntar, batizar, ensinar o cristianismo, buscando almas em quantidade para o reino de Deus, a visitação do Santo Ofício punia, com sofisticado rigor, os “pecados e heresias” denunciados. Uma leitura da Inquisição na Bahia, que compreendia também Sergipe, em 1592, mostra a intolerância, a censura e o controle cultural sobre as populações de autóctones, europeus e africanos. No tocante a cultura do povo o que se viu foi uma imensa transposição de repertórios, muitos deles codificados, atemporais e de procedência diversa, que foi guardado, fielmente, pelas populações brasileiras.
(...)Por mais que os antropólogos, sociólogos, psicólogos sociais, folcloristas tentem fazer o retrato cultural do povo brasileiro, faltam elementos essenciais, de ancestralidade, para dar fidelidade ao esforço interpretativo.
Gilberto Freyre viveu essa mesma dificuldade, ao esboçar em Casa Grande & Senzala (1933) e em outras obras referenciais, o tipo de organização social do Brasil. Criou, então, uma ciência – a Tropicologia -, para estudar o homem situado, o homem no ambiente, com condicionamentos e determinantes. A identidade nacional da cultura brasileira também depende de ciências novas, ou inter -ciências, para revisitar o passado e extrair lições duradouras.
O que há de crítica cultural se prende, quase sempre, a um tipo de cultura dominante. A cultura de resistência, que muitas vezes convive em harmonia com os modos culturais visíveis, é pouco ou quase nada considerada e estudada. As coletas privilegiam os romances medievais e não os de vaqueiro, sagas ou personagens nacionais; os contos de reinos felizes, reis justos, príncipes encantados, princesas castas, e não a tragédia cotidiana dos pobres, pedindo esmolas em troca de uma pequena narrativa. (...) Há, portanto, um conflito de enquadramento, que dificulta a melhor interpretação dos fatos culturais, inclusive os fatos folclóricos."
Barreto termina sua crônica com as seguintes palavras:
"Rui Barbosa não encarna, portanto, o tipo de intelectual brasileiro, representativo da cultura nacional, muito embora ele seja, reconhecidamente, um grande nome, que a Bahia deu ao Brasil. Isto não desmerece, em nada, a homenagem oficial de ter o dia 5 de novembro como o Dia da Cultura."
Veja a matéria na íntegra:
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